O princípio do non bis in idem no Processo Administrativo Disciplinar

Não são raras as situações em que o servidor público indiciado por Comissão Disciplinar recebe como sugestão de punição duas ou mais sanções disciplinares decorrentes da apuração do mesmo fato em Processo Administrativo Disciplinar, isso quando, de fato, não recebe mais de uma punição disciplinar após conclusão do PAD.

Como exemplo, temos situações em que o servidor, por um mesmo fato, lhe vê imputada sanção de advertência cominada com suspensão; suspensão e posterior demissão por conta do mesmo ato ilícito; servidor militar que recebe aplicação da sanção disciplinar de prisão e exclusão dos quadros da corporação; servidor que recebe sanção de advertência e dias depois da aplicação desta recebe nova punição, inclusive mais grave, dentre outros casos.

Outro exemplo de situação recorrente na Administração Pública é a punição injustificada de servidor quando equivocadamente as Comissões Disciplinares desviam o objeto efetivamente a ser investigado conforme o termo de indiciação e acabam por imputar “fatos novos” ao indiciado, sem cumprir o dever insculpido no art. 116, inc. VI, da Lei nº 8.112/90 de levar o conhecimento de tais fatos à sua autoridade superior.

Porém, tal prática não deve ocorrer no âmbito da atuação sancionadora disciplinar da Administração Pública.

Segundo o princípio do non bis idem, o mesmo fato não pode ensejar duas punições de mesma natureza, ou seja, dentre as esferas penal, civil e administrativa, o sujeito ativo de um ato ilícito somente poderá sofrer as sanções na respectiva esfera por uma única vez, respeitada a sanção correspondente, já prevista no ordenamento.

Dentre os outros princípios citados no artigo 2º-A da Lei 9.784/1999, o princípio do non bis in idem é um dos que devem ser fielmente observados pela Administração Pública por se tratar de princípio basilar de construção doutrinária, que irradia também sobre os atos administrativos.

Cada ilicitude fática praticada por servidor público possui uma norma sancionadora específica a lhe ser imputada, devendo ao administrado ser aplicada apenas a sanção correspondente e suficiente para suas condutas, respeitada a razoabilidade e proporcionalidade dos fatos, isso porque a máxima da individualização da pena se reflete também no âmbito administrativo disciplinar, por conta da sua previsão constitucional.

Ademais, se para cada incidente fático existe uma respectiva norma incidente, assim, quando houver a incidência de mais de uma infração disciplinar ao fato a ser investigado, o conflito aparente deve ser resolvido pelas regras da alternatividade, especialidade, subsidiariedade ou consunção, de modo que se esclareça a única norma incidente ao fato, impossibilitando assim a justaposição de vários dispositivos para fato único.

Mantendo tal raciocínio, a investigação e os fatos apurados pelas Comissões Disciplinares devem se ater ao objeto principal a ser apurado, não podendo deturpar os fatos, se basear em fatos novos, ou ainda desviar o objeto a ser apurado.

A observância o princípio do non bis idem pela Administração Pública quando no exercício de seu poder disciplinar, garantirá que o devido processo administrativo esteja pautado pela legalidade e pela segurança jurídica.

A própria Lei 8.112/90 vincula uma única pena para cada infração, sem conceder à autoridade julgadora discricionariedade para decidir de forma diferente ou ainda criar eventual pena alternativa ou cumulativa.

Nesta seara, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão, proferindo assim a Súmula nº 19/STF:

“É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira.”

Salientando o citado verbete, há de se destacar também que a jurisprudência pátria possui entendimento no sentido de que, encerrado o respectivo Processo Administrativo Disciplinar, não pode a Administração agravar penalidade imposta anteriormente a servidor público, ainda que a sanção anteriormente aplicada não esteja em conformidade com lei ou orientação normativa interna do órgão.

Em conclusão, o princípio do non bis in idem deve ser observado pela Administração Pública como um limite a sua atuação disciplinar para com seus servidores, impedindo assim que está imponha uma segunda sanção administrativa a quem já sofreu, pela prática da mesma conduta, uma primeira sanção respectivamente correspondente à sua conduta, ou ainda que durante a investigação administrativa se proponha punições diversas ao servidor em relação à um único ilícito.

*Por Pedro Rodrigues