Qual é mesmo a informação pública: quanto o Estado paga ou quanto o servidor recebe?

Embora tenha quase dois anos de vigência, a Lei de Acesso à Informação Pública (Lei 12.527) ainda não é adequadamente cumprida pelos órgãos públicos. O principal problema é a inconsistência das informações prestadas.

Diagnóstico realizado pela Organização Artigo 19 (referência ao dispositivo da Declaração Universal de Direitos Humanos que assegura a liberdade de opinião e expressão) revelou que quase um terço dos pedidos de informação feito aos órgãos públicos ficou sem resposta. Quase um quarto foram respondidos de forma incompleta. Menos da metade das respostas foram satisfatórias.

O diagnóstico revela que organizações da sociedade civil ainda enfrentam muitas dificuldades em obter informações para monitorar políticas públicas. Reclamam que é pouco o conteúdo disponibilizado nos sites do governo e, de outro lado, muitas as respostas são incompletas quando solicitadas informações. Em resumo, as informações são inconsistentes.

Também têm esta dificuldade aqueles preocupados com as políticas remuneratórias de pessoal praticadas pelo Estado e que buscam informações sobre salário de agentes e servidores públicos. Recente reportagem do Correio Braziliense (8 de janeiro) reclama que modelo de divulgação é inconsistente, pois cada órgão público relaciona os seus servidores nominalmente e quanto cada um recebe. Não é possível saber o que compõe estas remunerações, quantos estão em cada faixa salarial, conforme o cargo e o nível de ingresso no serviço público. Tudo inviabiliza a análise global, a análise da política subjacente de pagamento de pessoal.

De outro lado, qualquer um que queira saber quanto o seu vizinho servidor público recebe encontra a informação com facilidade. Os nomes e os números estão lá à disposição dos bisbilhoteiros.

Mas afinal, qual informação deve e merece ser divulgada? Qual é mesmo a informação pública: quanto o Estado paga ou quanto o servidor recebe?

A regra de restrição de divulgação de informações pessoais é talvez a mais polêmica da Lei de Acesso à Informação (artigos 4º, IV, 6º, I, e 32). Aparentemente, essa restrição impediria a divulgação nominal dos salários dos servidores, porque se relaciona à informação da pessoa natural identificada ou identificável.

Embora a Lei consagre a publicidade, parece que as restrições previstas sobre as informações pessoais proíbem a divulgação dos nomes dos servidores ao lado de seus salários. Apesar do necessário respeito ao interesse público, este nem sempre deve preponderar sobre os interesses individuais. A Constituição segue nesta linha. Via de regra, busca atender o ânimo da coletividade, mas estabelece a defesa das minorias e dos indivíduos. Logo, afirmar que a Lei de Acesso dá respaldo à divulgação nominal dos salários dos servidores parece não ser exato, já que – além de não conter regra expressa que permita essa divulgação – estabelece a proteção da informação pessoal, como é o caso dos ganhos pessoais. Os que defendem posição contrária sugerem que a preponderância do interesse público autoriza a divulgação dos salários dos servidores. Contra esta tendência, entidades representativas do funcionalismo público iniciaram movimento na Justiça para impedir a divulgação nominal dos salários, pois nisso veem grave ofensa ao sigilo das informações pessoais, além de ser uma inutilidade, conforme se tem ouvido e lido.

A divulgação dos salários dos servidores sem identificar o nome do seu beneficiário é o suficiente para o controle público das despesas da Administração. Verificada alguma irregularidade, aí então o beneficiário deve ser identificado. Portanto, ao invés de promover a transparência dos gastos públicos, a divulgação dos nomes apenas promove a bisbilhotice, com grave ofensa à intimidade dos servidores assim expostos publicamente. Bastante para o controle dos gastos é a divulgação, por exemplo, dos salários relacionados à matrícula do servidor, o que assegura a transparência e preserva a intimidade. Certamente importante é divulgar isso tudo de modo estruturado, o que nenhum órgão público conseguiu fazer adequadamente.

Há promessa do Conselho Nacional de Justiça formar comissão para rever Resolução que impôs aos Tribunais o modo de apresentação da remuneração dos magistrados e servidores da Justiça.  Por enquanto, só é possível saber os nomes dos servidores e quanto recebem, porque pouca consistência há nas informações prestadas pelos órgãos públicos, senão talvez aos bisbilhoteiros.

Por Jean P. Ruzzarin