Suprema bisbilhotice

Tem algum tempo, desde a vigência da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 2011), defendemos que a divulgação dos salários dos servidores sem identificar-lhes o nome bastaria para o controle público das despesas da Administração. Se algum cidadão ou órgão de controle da Administração verificasse irregularidades, aí então o servidor beneficiário poderia ser identificado e investigado.

Reclamamos que o modelo de divulgação adotado ainda hoje é inconsistente, senão inútil, pois cada órgão público relaciona os seus servidores nominalmente e indicada quanto cada um recebe, isoladamente. As informações assim divulgadas não servem para o controle público, para sabermos o que compõe estas remunerações, quantos estão em cada faixa salarial, conforme o cargo e o nível de ingresso no serviço público. Tudo inviabiliza a análise global, a análise da política subjacente de pagamento de pessoal. Parece-nos que a informação relevante é aquela que promove o controle público dos gastos. Irrelevante é a informação que hoje se divulga, de interesse apenas dos bisbilhoteiros, que buscam saber, por exemplo, quanto seu vizinho recebe.

Perguntávamos qual era mesmo a informação pública: quanto o Estado paga ou quanto o servidor recebe?

Apesar desta inutilidade, ontem (23), o Supremo Tribunal Federal decidiu que é legal a divulgação, inclusive na internet, do nome de servidores e dos valores dos seus salários (ARE 652.777). O STF derrubou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia mandado a prefeitura da capital paulista excluir informações sobre uma servidora no site “De Olho nas Contas”.

O relator do caso, ministro Teori Zavascki, disse que publicação de quanto ganha cada servidor é uma medida legítima. Segundo ele, o Plenário já havia adotado essa tese com suporte justamente na Lei de Acesso à Informação.

Até o último momento, mediante intervenção naquele processo em favor de vários sindicatos, defendemos o contrário: a regra de restrição de divulgação de informações pessoais é talvez a mais polêmica da Lei de Acesso à Informação (artigos 4º, IV, 6º, I, e 32). Essa restrição impede a divulgação nominal dos salários dos servidores, porque se relaciona à informação da pessoa natural identificada ou identificável. Acreditávamos que Supremo cumprisse seu relevante papel de ponderar os interesses públicos e privados e adotasse entendimento para divulgação dos salários, para fins de controle público, mas preservasse a intimidade das pessoas.

É que a Lei de Acesso à Informação, embora consagre a publicidade, traz restrições sobre informações pessoais, o seria suficiente para proibir a divulgação dos nomes dos servidores ao lado de seus salários. Apesar do necessário respeito ao interesse público, este nem sempre deve preponderar sobre os interesses individuais. A Constituição segue nesta linha. Via de regra, busca atender o ânimo da coletividade, mas estabelece a defesa das minorias e dos indivíduos. Afirmar que a Lei de Acesso dá respaldo à divulgação nominal dos salários dos servidores parece não ser exato, já que – além de não conter regra expressa que o permita – estabelece a proteção da informação pessoal, como é o caso dos ganhos pessoais.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, ao invés de promover a transparência dos gastos públicos, mediante autorização para divulgar imediatamente os nomes dos servidores, apenas promove a bisbilhotice, com grave ofensa à intimidade dos servidores assim expostos publicamente. Bastante para os cidadãos e órgão de controle é a divulgação, por exemplo, dos salários relacionados à

matrícula do servidor, o que assegura a transparência e preserva a intimidade. Certamente importante é divulgar isso tudo de modo estruturado, o que nenhum órgão público conseguiu fazer adequadamente. E a decisão do Supremo Tribunal Federal não ajudou em nada, pois agora nos resta a impressão de que tudo está resolvido, apesar da inutilidade das informações que hoje a Administração Pública divulga na internet.

A última palavra sobre o assunto parece que foi do Supremo Tribunal Federal, mas é como se diz por aqui: a Suprema Corte é apenas aquela que erra por último.

Fonte: Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados