A exigência do elemento subjetivo dolo para a caracterização da infração disciplinar

Para tratar da necessidade ou não do elemento subjetivo dolo para que se caracterize a infração disciplinar do servidor público, é preciso, primeiramente, abordar sinteticamente conceitos básicos do Direito Penal no que tange à Teoria do Crime, que podem servir de subsídio, respeitando-se as peculiaridades, ao Direito Administrativo.

Ao analisar-se a conduta do acusado, no Direito Administrativo, podem ser aceitos como elementos da infração disciplinar, aqueles presentes na figura do crime. Seguindo a linha da Teoria Bipartida, é possível concluir-se que o crime é um fato típico e ilícito. Ou seja, é fato típico porque contém os elementos descritos em lei como caracterizadores do crime, e, ilícito (antijurídico), porquanto tal conduta não seja praticada sob justificativa admitida por lei (p. ex., legítima defesa ou estado de necessidade).

Dentre os elementos que compõem o fato típico, no Direito Penal, encontra-se o dolo. Fernando Capez define o dolo como sendo “a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta[1]”. Ou seja, em outras palavras, o dolo seria a vontade e o conhecimento de realizar uma conduta prevista em um tipo penal (prevista em lei).

Assim, transportando-se para a seara administrativa, pode-se afirmar que o agente, na presença dos elementos descritos em lei como caracterizadores de infração administrativa, age de maneira que sua conduta não esteja amparada pela exclusão da antijuridicidade (ilicitude), ele comete, com tal conduta, uma infração disciplinar, que dará ensejo às penalidades previstas na legislação.

Destarte, questiona-se se o dolo é elemento necessário para a caracterização da infração disciplinar no Direito Administrativo. É possível afirmar que sim, tendo em vista que o dolo é um dos elementos componentes do fato típico, uma das características, em conjunto com a ilicitude, que define o crime. Conforme já destacado, fazendo as adaptações necessárias, podemos transportar tais conceitos para o âmbito administrativo, e o dolo, nesse translado de um ramo do Direito para outro, não poderia deixar de aparecer.

Fábio Medina Osório define o dolo no Direito Administrativo[2]: “o dolo, em direito administrativo, é a intenção do agente que recai sobre o suporte fático da norma legal proibitiva. O agente quer realizar determinada conduta objetivamente proibida pela ordem jurídica. Eis o dolo. Trata-se de analisar a intenção do agente especialmente diante dos elementos fáticos – mas também normativos – regulados pelas leis incidentes à espécie”.

Carlos Alberto Hohmann Choinski, em seu trabalho intitulado “Estudo sobre o dolo no direito administrativo”[3], fazendo um comparativo entre o dolo do Direito Civil e o do Direito Administrativo, destaca muito bem: “No direito administrativo, contrario sensu, a avaliação sob o enfoque do dolo será imprescindível para fins de reconhecimento da responsabilidade, tal qual no direito penal, o que evidencia a exigência incidental dos princípios da tipicidade e da legalidade”.

No que tange à exigência do dolo na infração administrativa, aponta Carlos Choinski: “Tampouco, o dolo se compõe na mera ilegalidade do ato, visto que, nas hipóteses de infração administrativa juridicamente relevante, há que se fixar, além da mera transgressão aos vínculos da lei a necessária avaliação do dolo. Assim, não basta a ilegalidade do ato, mas também a avaliação subjetiva do ato do agente para se formar juízo claro de reprovabilidade”.

Conclui-se que, para a caracterização da infração disciplinar administrativa, é necessário que o servidor tenha agido com dolo, ou seja, consciente de que sua conduta contrariava os ditames da legislação que trata de seu regime jurídico.

 

Por Lucas de Almeida


[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120). 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 223

[2] OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa. Porto Alegre, Ed. Síntese. 1998, p. 135.

[3] Artigo disponível no seguinte endereço: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/19868-19869-1-PB.pdf