Segurança Jurídica e nova interpretação administrativa

*Por Karin Prediger

A Lei nº 9.784/99 regulou o processo administrativo em âmbito federal e trouxe importantes disposições a serem observadas pela Administração Pública Direta e Indireta da União.

No concernente à questão da segurança jurídica nas interpretações/decisões administrativas, destacam-se dois artigos da Lei nº 9.784/99: o artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII, que trata de critérios de interpretação das normas administrativas vertida ao interesse público, vedando objetivamente a aplicação retroativa de nova interpretação; e o artigo 54, que se verte sobre a segurança jurídica lato sensu, eis que evidencia o aspecto subjetivo do instituto da segurança jurídica, qual seja, o princípio da proteção à confiança ou da confiança legítima.

Em que pese os princípios e os critérios de aplicação dispostos acima sejam de natureza federal, por serem derivações de princípios constitucionais, são aplicáveis a Estados e Municípios. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, vide RESP 852493/DF, 5ª Turma, Ministro Arnaldo Esteves Lima, firmou entendimento de que, em eventual ausência de leis processuais administrativas próprias, Estados e Municípios devem obediência à legislação federal.

Como visto, justamente a salvaguarda do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada é um dos preceitos do Princípio da Segurança Jurídica, insculpido no comando do artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei nº 9.784/99.

Nesse contexto, quais são as implicações de uma nova interpretação administrativa, diante de situações já consolidadas, notadamente a possibilidade de retroação de seus efeitos?

As leis, em razão do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. Porém, não se ignora a possibilidade de mudança de orientação pela Administração Pública, mostrando-se inevitável; ocorre que isso provoca insegurança jurídica, porque os interessados desconhecem o momento em que sua situação poderá ser contestada pela própria Administração Pública. Em outras palavras, não se admite que os administrados tenham seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo, justificando-se aí a regra que veda a aplicação retroativa. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. São Paulo: Editora Atlas, 2013, pp. 85 a 86).

O sistema jurídico-constitucional brasileiro não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. Daí porque a Administração Pública pode rever seus próprios atos quando derivados da inobservância da lei. Tais atos ilegais não geram direitos e, por conseguinte, não se trata de mudança de interpretação, mas sim de ilegalidade a ser declarada com retroatividade.

Assim, para além dos textos legais, a jurisprudência brasileira ilustra a impossibilidade da retroatividade de novas interpretações da legislação administrativa.

Ainda, relativamente aos processos administrativos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), dos procedimentos de órgãos de controle interno, das recomendações do Ministério Público em todos os níveis; das interpretações firmadas pelos Tribunais de Contas – TCU, TCE, TCM, cujas decisões, pareceres, consultas, instruções normativas, apresentarem alteração de entendimentos anteriormente firmados; há incidência da regra de irretroatividade da nova interpretação, em obséquio ao princípio da segurança jurídica (o STF, no MS 23.550/DF, Pleno, Relator p/ Ac. Sepúlveda Pertence, e MS 24.519/DF, Pleno, Eros Grau, já manifestou sobre a aplicabilidade da Lei de Processo Administrativo ao TCU e, como consectário, aos demais Tribunais de Contas) (FERRAZ, Luciano. Segurança Jurídica Positivada: Interpretação, Decadência e Prescritibilidade. In: Revista de Direito Brasileiro. Ano 1 (2012), nº 12. Lisboa, Portugal. pp. 7.441 a 7.473).

*Karin Prediger é advogada do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados