A devolução ao erário decorrente de decisão liminar revogada

As decisões que concedem valores a servidores públicos, de forma liminar, isto é, precárias e passíveis de reforma pelo Judiciário, não possuem a natureza de definitividade. Isso significa que sendo elas revogadas, eventuais valores recebidos em razão da liminar devem ser, em regra, devolvidos. Entretanto é natural que se cogite que essa regra não se aplica a decisões judiciais definitivas, tais como sentenças de juízes e acórdãos de Tribunais, já que trazem expectativa de que aquele direito reconhecido seja efetivado. Contudo, o posicionamento jurisprudencial sobre as decisões liminares é diferente.

Uma decisão judicial definitiva substitui a decisão liminar, podendo confirmá-la ou revogá-la. Havendo a revogação, a liminar "cai" e, via de regra, a consequência é que os valores pagos em razão da liminar são cobrados para serem devolvidos.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem posicionamento firme no sentido de que os valores pagos por meio de decisão precária, como é uma liminar, devem ser devolvidos. Ainda, a jurisprudência da Corte da Cidadania explica que os Temas Repetitivos de nº 531 e 1.009, que tratam sobre reposição ao erário, não se aplicam a casos que cuidem de decisão judicial precária. Isso porque o primeiro cuida de reposição ao erário quanto à aplicação equivocada de interpretação de lei, e o segundo quanto a erro operacional ou erro de cálculo da Administração, ou seja, são pagamentos efetivados unilateralmente pela Administração, enquanto um pagamento decorrente de uma liminar é determinado por meio de decisão judicial.

Já o Tema 692 do STJ, recentemente revisitado pela Corte, cuida de reposição ao erário de decisão liminar concedida e posteriormente revogada que concede benefícios previdenciários àqueles incluídos no Regime Geral de Previdência Social, não se aplicando aos servidores públicos[1].

Contudo, ciente das especificidades de casos concretos sobre essa matéria, o STJ criou uma exceção, em especial àqueles que o decurso do tempo litigando no Judiciário constitui uma legítima expectativa de direito pelo recebimento. Tal exceção é denominada "dupla conformidade" e constitui-se na não devolução ao erário quando a liminar tenha sido confirmada em acórdão e alterada apenas em Tribunal Superior (STJ ou STF, por exemplo).

Nesse sentido afirma o recente julgado de relatoria do Ministro Aurélio Bellizze sobre a matéria: "A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, que caracteriza a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natura alimentar posteriormente cassada" (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.955.341/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 25/5/2022.).

Fora essa situação específica, o Superior Tribunal de Justiça não acolhe a boa-fé como argumento para não devolver ao erário em razão de liminar revogada. Isso também foi recentemente analisado em julgado de relatoria da Ministra Assusete Magalhães: "É entendimento desta Corte que, tendo a servidora recebido os referidos valores amparada por uma decisão judicial precária, não há como se admitir a existência de boa-fé, pois a Administração em momento nenhum gerou-lhe uma falsa expectativa de definitividade quanto ao direito pleiteado. […] Não pode o servidor alegar boa-fé para não devolver valores recebidos por meio de liminar, em razão da própria precariedade da medida concessiva e, por conseguinte, da impossibilidade de presumir a definitividade do pagamento." (AREsp n. 1.711.065/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 5/5/2022.).

A tese da dupla conformidade, como rara exceção à regra de devolução ao erário, privilegia a expectativa do servidor público que viu seu direito reconhecido por duas instâncias do judiciário e, mais ainda, recebe a verba há anos, visto que o prazo entre o início de um processo e o julgamento por um Tribunal Superior é, geralmente, elevado. Com isso, o STJ busca desonerar o servidor público do dever de repor ao erário.

Fora a exceção criada pelo STJ e cuja aplicação se dá em casos muito específicos (decisão liminar confirmada não apenas em sentença, mas também em acórdão, e a reforma ocorrer apenas em Tribunal Superior, necessidade de longo de decurso de tempo entre a concessão da liminar e a reforma neste), valores recebidos por conta de decisão liminar conferida a servidores públicos que posteriormente fora revogada devem ser devolvidos. Com essa exceção, espera-se que o STJ passe a analisar mais casos concretos a ser aplicada a exceção da "dupla conformidade", tal como situações em que se obteve liminar e confirmação em acórdão em casos de competência originária de Tribunais de Justiça ou Regionais, com posterior reforma em Tribunal Superior.

[1]Para elucidar esse foi o posicionamento do STJ no Tema 692: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.

Por Alice Lucena e Pablo Domingues, advogados especialistas na Defesa do Servidor Público. 

Repercussão

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