Lei publicada após a CF/88 possui sanção de caráter perpétuo?

A tardia e necessária adequação da Lei 8.112/90 à Constituição Federal
(por Daniel Hilário – Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados)
Também chamada de Constituição Cidadã, e publicada em 5 de outubro de 1988, a atual regente do Direito Brasileiro define uma série de Direitos Fundamentais aos nacionais e estrangeiros, sobretudo os inscritos em seu artigo 5º. Dentre eles, chamamos a atenção para um daqueles que representam uma garantia criminal (ou disciplinar), no caso a alínea ‘b’ do inciso XLVII, que prevê que: “XLVII – não haverá penas: (…) b) de caráter perpétuo”.
Daí, podemos extrair que nenhum tipo de sanção poderá penalizar o indivíduo de forma eterna, ou seja, do momento em que aplicada até o fim da vida do sancionado. Veja-se, ainda, que tal proibição não está apenas vinculada às penas privativas de liberdade, isso porque, conforme o inciso XLVI do texto constitucional, além das penas privativas ou restritivas de liberdade, também serão permitidas penas de perda de bens, multa, prestação social alternativa e de suspensão ou interdição de direitos.
Dois anos e dois meses após a promulgação do texto constitucional, foi publicada a Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Em seu Título IV (Do Regime Disciplinar), mais precisamente no Capítulo V (Das Penalidades), o artigo 137, parágrafo único, prevê o seguinte: “Art. 137. (…) Parágrafo único: Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.”.
A toda a evidência, uma das consequências da demissão ou destituição do servidor que cometer crime contra a administração pública ou; cometer ato de improbidade ou; aplicar irregularmente dinheiro público ou; lesar os cofres públicos e/ou dilapidar o patrimônio nacional ou; cometer corrupção (ativa ou passiva), é o banimento permanente do serviço público federal. Ou seja, temos uma pena de suspensão ou interdição de direitos com caráter perpétuo.
Assim, diante do conflito entre a Constituição e a Lei 8.112/90, no ano de 2018, 28 anos após a publicação da citada Lei, a Procuradoria-Geral da República (PGR) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2975, de forma a conformar o texto do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União aos ditames Constitucionais.
Por sua vez, e sob a relatória do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgar procedente a ADI, e declarar inconstitucional o parágrafo único do artigo 137 da Lei 8.112/90, com a proposição de que o Congresso Nacional delibere, se assim entender pertinente, sobre o prazo de proibição de retorno ao serviço público nas hipóteses de demissão (ou destituição) naquele parágrafo presente. Vencidos ficaram o Ministro Edson Fachin e a Ministra Rosa Weber (julgavam a ação improcedente), além do Ministro Marco Aurélio (somente sobre a comunicação a ser enviada ao Poder Legislativo), e os Ministros Roberto Barroso e Nunes Marques (julgavam parcialmente procedente a ação).
Restou, no entanto, uma questão, que foi atacada por Embargos de Declaração da própria PGR: Declarada a inconstitucionalidade da proibição do retorno ao serviço público federal, e intimado o Poder Legislativo para determinar qual seria o prazo a ser prescrito ao caso, como se regeriam as situações nesse espaço temporal entre a declaração de inconstitucionalidade e a definição legislativa?
A resposta foi, de certa forma, simples: mesmo que se trate de condutas mais gravosas que as do caput (para as quais foi definido o prazo de 5 anos para retorno ao serviço público federal), às condutas do parágrafo único não se pode dar tratamento menos restrito do que àquelas. Assim, determinou-se que, até o momento que sobrevier lei que disponha sobre a matéria, aplicar-se-á o prazo de 5 anos para retorno.
Dessa maneira, acertadamente, afinal compreendemos que após a aplicação da pena, e durante seu cumprimento, o indivíduo deve ser ressocializado, findou-se a existência de uma sanção de caráter perpétuo, que existiu por mais de duas décadas no Ordenamento Jurídico brasileiro.