STJ e STF estão alinhados pela conversão de licença-prêmio em pecúnia ao servidor

*Por Thales Guilherme Silveira

A licença-prêmio foi regulamentada na redação originária da Lei 8.112/90 por meio do artigo 87, prevendo a possibilidade de três meses de licença após cada quinquênio ininterrupto de exercício. Preenchidos esses requisitos, o período de licença-prêmio se configura um direito adquirido incorporado ao patrimônio jurídico do servidor público.

Posteriormente, a licença-prêmio foi revogada e substituída pela licença para capacitação a partir da Lei nº 9.527/1997. O artigo 7º dessa legislação dispõe de duas possibilidades ao servidor público com saldo de licença-prêmio: usufruí-la ou utilizá-la para efeitos de contagem em dobro na aposentadoria. Segundo a redação desse artigo, a conversão em pecúnia seria apenas para casos de falecimento de servidor público.

Todavia, muitos servidores públicos inativos preencheram os requisitos exigidos da licença-prêmio entre 1990 e 1996 – período de sua vigência – e não a usufruíram, tampouco a utilizaram para fins de contagem em dobro quando da aposentadoria. Abre-se então uma terceira possibilidade de discussão: a conversão do saldo não usufruído em pecúnia após a aposentadoria, sob fundamento de que o contrário se configuraria um enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública.

A partir disso, a conversão da licença-prêmio em pecúnia se torna objeto constante de demandas judiciais. Uma das principais controvérsias para a impossibilidade de sua conversão em pecúnia é a necessidade de comprovação do interesse da Administração Pública para que o servidor público não pudesse gozá-la.

Existiam julgados que demonstravam a possibilidade da conversão da licença-prêmio em pecúnia para servidor público. Contudo, por muitas vezes o magistrado utilizava como parâmetro a impossibilidade fática de o servidor público usufruir da licença-prêmio, conforme julgado de conversão concedida ainda em 2021.

O Tema 635 do Supremo Tribunal Federal (STF) já possibilitava anteriormente ao servidor público inativo a conversão em pecúnia de direitos de natureza remuneratória. Todavia, recentemente houve importante avanço na discussão dessa controvérsia no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se alinhou ao anteriormente definido pelo STF.

Esse entendimento ocorreu em sede de recurso repetitivo por meio do Tema 1086. Segundo a tese agora firmada pelo STJ, a conversão em pecúnia da licença-prêmio independe de prévio requerimento administrativo, tampouco de prévia comprovação de que o servidor público não a gozou sob interesse da administração pública:

Presente a redação original do art. 87, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, bem como a dicção do art. 7º da Lei n. 9.527/1997, o servidor federal inativo, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e independentemente de prévio requerimento administrativo, faz jus à conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional, nem contada em dobro para a aposentadoria, revelando-se prescindível, a tal desiderato, a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por necessidade do serviço.

Em seu voto, o Ministro Sérgio Kukina, relator do Resp 1.854.662 – CE, que originou a discussão, fundamentou a desnecessidade da comprovação do motivo que ensejou a não fruição da licença-prêmio na medida em que "caberia à Administração, na condição de detentora dos mecanismos de controle que lhe são próprios, providenciar o acompanhamento dos registros funcionais e a prévia notificação do servidor público acerca da necessidade de fruição da licença-prêmio antes de sua passagem para a inatividade".

Para o servidor público que se enquadrar nas possibilidades de conversão de licença-prêmio em pecúnia é interessante destacar que o cálculo da conversão deve considerar os proventos quando da concessão de aposentadoria. Em razão disso, deve incidir em sua base de cálculo toda verba remuneratória do servidor público em seu último mês de atividade, inclusive abono de permanência e auxílio-alimentação, por exemplo, conforme entendimentos já proferidos judicialmente.

Isso ocorre porque o momento em que surge o direito da conversão da licença-prêmio em pecúnia é quando da concessão da aposentadoria. Até por esse motivo que o prazo prescricional de cinco anos para esse requerimento deve ser a partir do ato da aposentadoria, e não da data em que originadas as licenças. Esse entendimento é objeto do Tema Repetitivo 516 do STJ, que firmou a seguinte tese:

A contagem da prescrição quinquenal relativa à conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada e nem utilizada como lapso temporal para a aposentadoria, tem como termo a quo a data em que ocorreu a aposentadoria do servidor público.

Para verificar a viabilidade da conversão em pecúnia, é válido que o servidor público consulte a informação relativa ao saldo de licença-prêmio em seu processo de aposentadoria ou ainda solicite junto à Administração uma declaração de saldo de licença-prêmio. Por exemplo, se o servidor público ao verificar em seu processo de aposentadoria que possui um quinquênio ininterrupto que originou licença-prêmio não usufruída e não utilizada em dobro para fins de aposentadoria, poderá postular três meses de conversão em pecúnia.

Portanto, a partir do Tema 1086, STF e STJ alinham-se em entendimento favorável ao servidor público. Esse contexto possibilita a fundamentação da pretensão do servidor público inativo em converter o saldo da licença-prêmio não gozada, não utilizada em dobro para fins de aposentadoria e que não possui comprovação de que não a usufruiu em decorrência de necessidade de serviço da Administração Pública.

*Thales Guilherme Silveira,  é advogado especialista na Defesa do Servidor Público no escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.